Há momentos na vida que achamos que as coisas são inaceitáveis, depois, mais tarde, perguntamos: “por que não?”

Certo dia, estava num encontro de supervisão acadêmica e a psicóloga responsável trouxe uma temática interessante sobre os nossos momentos de vida. Na verdade, estávamos comentando sobre as nossas próprias experiências de transformação enquanto pessoas, temáticas relacionadas à carreira, relacionamentos e outras características humanas.

Assim  surgiu uma interessante analogia arquetípica: os mitos do romance, do drama e da comédia. É como se durante nossa trajetória, pudéssemos encontrar características em comum em certas etapas. E, claro, sendo sempre administradas por nossa vontade, crenças e características singulares.

Quando estamos apaixonados, a nossa cognição fica um pouco abalada, nos deixando com a aparência débil. O símbolo do romance, na verdade, não é apenas sobre os nossos relacionamentos afetivos ou sobre o quanto nos viciamos em pensar naquela pessoa que “roubou o nosso coração”. Pode ser que predominantemente ele se revele através de sonhos, projeções e idealizações a respeito da vida.

 Seja nos relacionamentos, nas escolhas profissionais ou também nas decisões importantes que baseiam o estilo de vida, a energia psíquica predominante está mais no plano das ideias e ainda carece de prática. É um momento de escutar o coração, mas utilizando o mapa da concretude. Talvez caia bem a pergunta: O que está sendo fantasioso demais e carece de expressão objetiva?

Quando atravessamos esse momento com inteligência e aprendemos o que necessitamos para ter mais sabedoria a respeito da vida, podemos nos encontrar no chamado “período do Drama”, que corresponde a uma etapa em que a ficha caiu sobre o mundo prático. Existe, assim, a consciência de que escolher trilhar por certos caminhos traz como bônus a renúncia de outros. O envolvimento com o mundo material, com o dinheiro, com relacionamentos sérios, nos realiza parcialmente, mas pode parecer que estamos automáticos e sem energia vital. Dessa maneira, surge o questionamento: Será que eu estou no caminho certo?

Pode ser que a realidade apresentada seja dura demais e acabe nos provocando um recuo inconsciente. O medo de seguir, faz com que paremos “no meio do caminho” do desenvolvimento pessoal. As fantasias ainda exercem uma influência predominante no nosso sistema psicológico. E são fantasias que não necessariamente são boas. Às vezes dizem respeito àquela paranoia de achar que os outros estão sempre te julgando ou que você só será feliz quando encontrar um grande amor.

A dor de crescer incomoda, mas é fundamental para gerar felicidade e sentido  

Esse momento pode nos adoecer mentalmente. O estresse e a necessidade de mudança podem ser gritantes. No entanto, também pode estimular o aprofundamento nos estudos e o contato com a espiritualidade e com caminhos mais significativos nos relacionamentos, na profissão e até mesmo em algum tipo de trabalho espiritual e comunitário. Vejo como uma oportunidade para nos soltarmos e vivermos para aquilo que mais importa.

Essa fase é carregada da turbulência causada por anseios e desejos. Podemos associar à idade cronológica adulta, quando ser livre é fazer o que se quer, explorar as diferentes experiências nos relacionamentos e obter liberdade financeira. O desafio surge quando o nosso lado infantil “grita” e faz com que vivamos um inferno achando que a vida deve ser exatamente do jeito que queremos.

O arquétipo da comédia: a leveza da aceitação

A transição para o arquétipo da comédia, oferece o florescimento da liberdade de encarar a vida como uma grande peça no palco cósmico. Essa visão de mundo só é possível através da espontaneidade e do amadurecimento, não é algo que pode ser forçado. A partir da autoinvestigação das próprias crenças e visões de mundo, é possível enxergar a realidade das situações e dos relacionamentos. Dessa maneira, os outros dois períodos arquetípicos funcionam como uma base experimental para fazer cansar do sofrimento de levar as coisas tão a sério.

Nessa etapa, podem ser que existam questionamentos. O curioso é que eles não são tão incômodos e nem precisam de respostas prontas. A criação de sentido é o motor para a geração de mais sabedoria e leveza.

É importante reforçar que essas etapas são meramente ilustrativas e independem de uma idade cronológica específica. Eles são sinalizadores para guiar a nossa história, sendo que também podem estar entrelaçadas. Assim, os arquétipos do romance, do drama e da comédia podem ser norteadoras para uma maior autoconsciência e clareza nas nossas existências.

E você? Se identifica vivendo em qual desses arquétipos?

Um grande abraço,

Daniel Danguy