Uma das coisas que mais me chocaram quando soube da possibilidade de vir a óbito por conta de uma pandemia foi achar que não teria tempo suficiente para evoluir espiritualmente. Pensei: “eu preciso de mais tempo para me iluminar”. Em minha cabeça, eu seria capaz de me iluminar lá pelos 60 a 80 anos, se de fato chegasse a isso. Que coisa né?

Mas então duas perguntas podem ser levantadas em relação a esse tema: 1) o que realmente é iluminação? e 2) quanto tempo leva para se iluminar?

É interessante enxergar como parece que nós protelamos encarar com afinco nossa evolução espiritual, principalmente quando percebemos que ela pode nos custar a perda de alguns prazeres sensoriais, o apego a formas, pessoas e a padrões de pensamentos.

Não podemos dizer com clareza o que é iluminação, mas sabemos que ela, certamente, irá nos despir, de modo que renunciaremos aos conceitos que limitam nossa identidade e visão da realidade. A iluminação irá remover desejos, objetivos e comodismos de todos os tipos. Sendo assim, por que não deixar para depois tão aparente desconfortável acontecimento?

E o tempo? Bem, depois de encararmos que não temos tempo, uma vez que o fim desta encarnação, ou a mudança repentina de nossas estruturas de vida, podem acontecer a qualquer momento, entendemos que apenas no agora podemos nos iluminar. Não daqui a 10 anos, ou depois da aposentadoria. Talvez isso nem venha a acontecer. Nós só podemos estar conscientes e focados ao que realmente interessa no agora.

As efemeridades da vida terrena nos seduzem a todo momento, mas elas passam e não agregam nada de verdadeiro em nossa jornada, podendo até trazer mais sofrimento a ela. No entanto, a prática sincera e entregue no caminho do Darma irá transformar a inconstante, e muitas vezes intensamente dolorosa, condição humana em um lótus da iluminação, compaixão, alegria, tranquilo permanecer e paz.

Passada a agitação inicial em mim, sobre assunto da pandemia, e acreditando menos na possibilidade de morrer por ela, entendi uma das lições que esta situação me trouxe: não posso deixar para depois o que é mais importante nesta encarnação preciosa, ou seja, a libertação real do samsara.

Luís Fernando Rostworowski